Demerval Viana: fantasia para atrair jovens leitores

Autor lança livro infanto-juvenil em plataforma especializada em livros digitais e usa a literatura para ensinar

O nome dele é Demerval Araújo Viana. Nascido em Regeneração no dia 18 de julho de 1972. Aos 50 anos de idade, ele mostra que nunca é tarde para realizar sonhos. O dele, ser um escritor, acaba de se tornar realidade com a publicação do livro ‘A Princesa Mofada’, disponível em plataforma de literatura digital.

Formado em Pedagogia e atualmente cursando Letras-Português na Universidade Federal do Piauí (UFPI), o interesse pelas palavras vem desde a infância. A fantasia, gênero literário que é o forte de Demerval, é o pano de fundo para estórias fantásticas que buscam "apanhar" o público infanto-juvenil através de tablets e smartphones.

Da tenra infância brincando com pedaços de objetos para fantasiar enredos, sendo tolhido pela mãe por achar que era uma brincadeira de bonecas, Demerval sempre teve a criatividade aguçada. Daí para a sala de aula, utilizando a literatura para ensinar, aos livros, usando as letras para construir novas realidades.

Em um mundo cada vez mais desatento aos produtos culturais, Demerval é mais um Dom Quixote em defesa da literatura. Para ele, a juventude ainda está aberta para a escrita e a leitura, mas isso depende de estratégias de como apresentá-la.

Para Nossa Gente, o autor Demerval Viana é um exemplo de que a literatura e a produção cultural piauiense permanecem viva. De forma independente, o autor mostra que com talento é possível chegar longe. 


Jornal Meio Norte: Quando você passou a se interessar pela escrita?

Demerval Viana: Desde garotinho eu inventava histórias. Como eu não dominava ainda a escrita, eu encenava com meus brinquedos. Naquele tempo, os meninos não podiam brincar com bonecos, mas eu criava personagens utilizando frascos vazios de medicamentos, sabugos de milho, pedaços de mangueira, e até mesmo o lápis e a caneta. Na chegada da adolescência, fui proibido por minha mãe de brincar com aqueles itens considerados de meninas por se assemelhar a bonecos e bonecas. Então, precisei escrever minhas histórias porque elas não paravam de vir na minha cabeça. Minha irmã mais velha estava na universidade e eu pegava as apostilas dela para escrever no verso.  Mas foi no Ensino Médio, no meu tempo dividido em Científico e Pedagógico, que me apaixonei pela escrita como objeto de fruição intencional. Tive duas professoras excepcionais. Uma de Redação e outra de Literatura. Com a primeira, a professora Luísa Maria, aprendi a escrever um texto. Com a segunda, a professora Joana Pacheco, conheci as escolas literárias. Ela nos obrigava a escolher ao menos uma obra de cada escola e narrar posteriormente. Lembro-me de que tive de ler obras para alguns dos meus colegas e fazer os textos por eles. Quase morri para concluir "O Guarani". O desejo de pular tanta descrição era muito forte. No entanto, eu temia perder alguma coisa do Peri e da Ceci. Quando eu finalmente cheguei no Naturalismo e li “O Cortiço”, eu disse: “uau! Como alguém consegue escrever isso?”. Resolvi, então, escrever minhas próprias histórias. Há muito do Aluísio Azevedo em mim, não do determinismo, mas da força que gosto de dar ao ambiente como quase personagem da história.



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“Precisei escrever minhas histórias porque elas não paravam de vir na minha cabeça. Minha irmã mais velha estava na universidade e eu pegava as apostilas dela para escrever no verso. "
Demerval Viana

JMN: Como fazer o jovem se interessar pela literatura e a leitura?

DV: Para que o jovem se interesse pela leitura é preciso favorecer o acesso ao livro e a espaços em que o livro esteja sendo lido, divulgado, vivenciado. A cultura do livro de literatura como livro paradidático é mortal para o fomento ao hábito de ler. Ler para fazer um resumo, ler para produzir outro livro, ler para resolver banco de questões, ler para responder um encarte que acompanha o livro, não são em si a negação da literatura com tal. O que a viola é a falta de protagonismo do leitor nessas propostas. Também mutila o trato instrumental dessas práticas. Uma boa aposta para estimular a literatura e a leitura é combinar essa oferta com a arte e com as mídias digitais. Comumente os leitores ainda não assíduos reagem positivamente a esse combo.

JMN: A leitura é fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem?

DV: Sou professor alfabetizador na rede pública. Minhas primeiras histórias eu criei para minhas aulas. Sempre senti falta de textos mais próximos das possibilidades de um leitor ainda por ser conquistado, e levava meus textos para a sala de aula. Os livros de literatura a que os alunos têm acesso, erroneamente tratados como paradidáticos, costumam ser pouco atraentes para a maioria deles. Em geral, tanto as crianças quanto o público da EJA, quando estão nos anos iniciais, padecem de poucas experiências com a leitura. Por dois motivos básicos, muitas escolas erram ao oferecer material literário a esse público. O primeiro é um livro que chega às escolas enviado diretamente pelo MEC sem que tenha sido escolhido pelos professores com base no grau de letramento dos alunos. Sem outra opção, o professor oferece, muitas vezes, um livro denso para um aprendiz ainda incipiente. O resultado é a pouca afeição desse aluno pelo objeto ao qual terá de se debruçar. O segundo equívoco muito comum é o livro de literatura ser oferecido ao estudante como paradidático. Por esse enfoque a leitura se torna, para o novato leitor, um fardo para responder questionários, não por deleite.

JMN: O senhor lançou seu primeiro livro em formato virtual. Qual seu balanço sobre essa realização?

DV: "A Princesa Mofada" está disponível na versão e-Book desde o dia 10 de setembro. Mas também já estamos com a versão física aprovada e pronta para pré-venda. Resisti um pouco a autorizar a versão e-Book. Nós, da minha geração, padecemos de certo receio da eliminação do livro físico. Minha consolação foi o contrato estabelecer as duas modalidades. Ainda aguardo a receptividade dos leitores quanto a cada formato para um julgamento mais preciso. O livro é literatura juvenil. O público nessa faixa etária pertence à geração do tablet e do smartphone. É esse público que irá me dizer como prefere o material. "A Princesa Mofada" pretende ser meu portal de encontro com os leitores aos quais pretendo chegar.

JMN: De que se trata a história da Princesa Mofada?

DV: "A Princesa Mofada" era apenas um conto maravilhoso de quatro páginas que criei para uma peça escolar de Ciências. A ideia era explicar aos alunos a função dos seres decompositores na natureza. Veja-se que era um texto didático sob o pretexto de literatura. Quando eu estava cursando a disciplina Tópicos em Alfabetização, em Pedagogia, conheci a proposta do Letramento de Magda Soares. E vi o que eu tinha feito com as irmãs Cora e Cara, no meu texto. Resolvi me redimir. E criei o livro. É uma obra de aventura que trata do amor. Em tempo algum saí da proposta original de conto maravilhoso, e, assim, traz princesas, castelos, feitiços, encantamentos, e um final feliz.

JMN: A fantasia é uma boa forma de contar a realidade?

DV: A matéria-prima do que escrevo é a fantasia. O universo fantástico nos permite tudo, inclusive desfazer e refazer a realidade. Desde que a história seja verossímil, tudo é possível neste mundo no qual o que manda é a imaginação. A arte imita a realidade. Isso é fato. No entanto, é arte, é ficção. Se pretende um recado aos leitores com meu texto literário, preciso estar atento se ofereço isso como possibilidade, e não com o intuito de fazer prosélitos. Literatura engajada é diferente do proselitismo. 

JMN: Sua história compreende um mundo que pode render novas histórias. O universo da Princesa Mofada vai continuar em mais livros?

DV: Não gosto de sequências. Vou dar um exemplo. "A Malévola" foi um reconto, em filme, do clássico "A Bela Adormecida". Aquilo, para mim, foi magnífico. E o que fizeram? Um segundo filme que arruinou a originalidade do outro. A Princesa Mofada é um livro que terminou e acabou-se o que era doce. Gosto de finais em aberto. No entanto, para deixar a mente do leitor inventar sua própria sequência. Não eu. Não possuir uma continuidade não quer dizer o fim do universo em que se situa a obra. Ela ocorre em um imaginário mundo feudal, e integra um pacote com outros quatro livros, compondo a Coleção Profecias. "O Príncipe Torto", que deverá sair em janeiro, e se passa em um imaginário mundo árabe; Guaraci e Jaciara, em revisão, e se dá em uma Amazônia longínqua; Amadômio, em conclusão, tem sua trama em um imaginário mundo nórdico e Agripina, em elaboração, fecha o universo, se passando em uma África fantástica.

JMN: Como você observa a produção literária no Piauí?

DV: Somos pobres, pobres, pobres, de marré, marré, marré no quesito produção literária no Piauí, não por falta de talentos. Em vários estados brasileiros há concursos literários para jovens escritores, mas no nosso estado a falta de decisão governamental pelos livros é muito desanimadora. Nós temos alguns eventos como o SALIPI, que poderia ser um movimento literário focado na divulgação de nomes piauienses, a partir de uma escola para autores iniciantes, ou algo parecido. No entanto, muitas vezes o evento acontece por pura teimosia dos organizadores. Agora em setembro estamos em grande expectativa pela FELIPI que, desejamos, venha para ficar.

JMN: O senhor pretende permanecer na literatura infanto-juvenil?

DV: O que mais gosto de ler é sobre heróis e heroínas, rituais fantásticos e sobrenaturais. E escrevo sobre isso. Mas não escrevo apenas para o público infanto-juvenil. Tenho algumas coisas para adultos. Para breve deverá sair uma obra minha chamada "A Lenda da Alma Penada", e ela tem por leitores pretendidos os adultos.

JMN: Como você enxerga a literatura na formação humana?

DV: A literatura precisa ser sentida, vivida intelectualmente, fruída. A mente da pessoa que se deleita na literatura adquire uma plasticidade maior. Não é apenas o vocabulário que se amplia. A sensibilidade para as variações estéticas, para o ético, para os direitos humanos se avoluma. O olhar multicultural, por exemplo, é validado com a experiência de convivência com mundos de culturas diferentes. Além disso, incluir o livro como peça dos lazeres e divertimentos faz muito bem ao espírito.

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