Bolsonaro sanciona Lei do Abuso de Autoridade com 36 vetos

Itens vetados estão contidos em 19 artigos da lei. Agora caberá ao Congresso manter ou derrubar os vetos do presidente.

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O presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei do Abuso de Autoridade com vetos a 36 dos 108 dispositivos aprovados pelo Congresso. Os 36 itens vetados estão contidos em 19 artigos (veja, ponto a ponto, os trechos vetados mais abaixo). A lei e os vetos foram publicados em edição extra no "Diário Oficial da União".

O projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional em agosto e define cerca de 30 situações que configuram o abuso, além das punições correspondentes.

Mais cedo, em discurso no Palácio do Planalto, Bolsonaro já havia dito que faria os 36 vetos ao texto. Ele argumentou que concorda com o combate ao abuso de autoridade, mas, segundo o presidente, o "remédio" não pode ser excessivo "para não matar o paciente".

Críticos ao texto aprovado pelo Congresso afirmam que o projeto poderia ser um obstáculo para o trabalho de juízes, procuradores e policiais, além de atrapalhar o combate à corrupção.

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Esta quinta era a data-limite para Bolsonaro sancionar o projeto integralmente ou apresentar vetos. Nos últimos dias, ele foi alertado de que uma quantidade de vetos que desfigurasse o texto poderia causar desgaste com o Congresso. Por outro lado, o presidente não quer passar uma imagem à população de que o governo está aliviando o combate à corrupção.

No discurso no Planalto, o presidente disse que, ao tomar a decisão dos vetos, não buscou "fazer média" com a população nem afrontar o Congresso.

O presidente bateu o martelo dos vetos após uma reunião na terça-feira (3) com os ministros André Luis Mendonça (Advocacia-Geral da União), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) para definir os vetos.

Agora, com a sanção da lei e a publicação dos vetos, caberá ao Congresso Nacional manter ou derrubar a decisão do presidente da República em sessão conjunta, formada por deputados e senadores.

Artigos em que houve vetos

Artigo 3º (veto ao artigo e aos dois parágrafos): o artigo definia que o crime de abuso de autoridade seria de "ação penal pública incondicionada". Com esse artigo, a lei dizia que a denúncia de abuso de autoridade poderia ser feita, por exemplo, sem manifestação expressa da vítima. O texto também autorizava a abertura de uma ação privada, caso o Ministério Público não agisse em tempo hábil.

 Artigo 5º (veto ao inciso III): o trecho previa que entre as penas alternativas à prisão estavam a proibição de a autoridade exercer, de um a três anos, funções de natureza policial ou militar no município em que tiver sido praticado o crime e na cidade onde residir a vítima.

Artigo 9º (vetos ao artigo e a quatro itens): o texto estabelecia pena de um a quatro anos de detenção e multa para quem decretasse medida de privação da liberdade “em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. A mesma pena valeria para quem deixasse de rever prisão ilegal, de substituir a prisão preventiva por medida cautelar e de conceder liberdade provisória ou de deferir liminar e ordem de habeas corpus “quando manifestamente cabível”.

Artigo 11 (veto ao artigo): o artigo previa pena de um a quatro anos de detenção e multa para quem executasse "captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária". O texto vetado abria exceção apenas para transgressão ou crime propriamente militar, e para fugitivos de condenação ou internação.

Artigo 13 (veto ao inciso III) : o artigo prevê punição para quem constranger o preso “mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência”. Bolsonaro vetou trecho que determinava punição para quem forçasse o preso a produzir prova contra si mesmo ou terceiros.

Artigo 14 (vetos ao artigo e ao parágrafo único): o artigo estabelecia detenção de seis meses a dois anos, e multa, para quem "fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima". A regra valeria para registros feitos sem consentimento, ou mediante consentimento ilegal, com intuito de expor a pessoa a vexame ou execração. No parágrafo único, o texto excluía as fotos e filmagens feitas para produzir prova ou documentar as condições de um estabelecimento penal.

Artigo 15 (veto a três dispositivos): o artigo previa punição para quem constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo. Bolsonaro vetou trecho que previa o mesmo para quem mantém interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio e de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença do defensor.

Artigo 16 (veto ao artigo e ao parágrafo único): o artigo previa pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa, para quem deixasse de se identificar ao preso no momento da captura, ou quando necessário, durante a prisão. A mesma pena se aplicaria a quem apresentasse identificação falsa, nos mesmos contextos, e para quem cometesse essas atitudes em interrogatórios em infrações penais.

Artigo 17 (veto ao artigo e a quatro itens): o artigo previa pena de seis meses a dois anos de detenção e multa para quem submetesse o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas quando não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, da autoridade ou de terceiro.

Artigo 20 (veto ao artigo e ao parágrafo único): esse artigo punia com seis meses a dois anos de detenção, e multa, quem impedisse a entrevista pessoal e reservada com preso com seu advogado sem justa causa. Quem impedisse o preso, o réu solto ou o investigado de se encontrar pessoal e reservadamente com a defesa antes de uma audiência, ou de sentarem-se juntos durante a audiência, poderia receber a mesma pena.

Artigo 22 (veto ao inciso II do parágrafo 1º): o artigo pune autoridade que invadisse ou permanecesse na residência ou imóvel alheio de forma clandestina ou à revelia da vontade do ocupante, sem determinação judicial. Bolsonaro vetou a parte que dizia que comete a mesma infração quem executa mandado de busca e apreensão em imóvel alheio ou dependências, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma “ostensiva e desproporcional” ou extrapolando os limites da autorização judicial, para expor o investigado a situação de vexame.

Artigo 26 (veto ao artigo e aos dois parágrafos): o artigo puniria agentes que induzissem ou instigassem pessoas a praticar um crime, para forçar uma captura em flagrante delito, fora das hipóteses já previstas em lei -- flagrante esperado, retardado, prorrogado e diferido. A pena, neste artigo, seria de seis meses a dois anos. Mas poderia ser dobrada, caso a vítima fosse, de fato, capturada no flagrante forjado.

Artigo 29 (veto ao parágrafo único): o artigo, que foi mantido, prevê pena de seis meses a dois anos ao agente que "prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado". O parágrafo único, que previa igual punição a quem omitisse dado ou informação relevante e não sigiloso, foi vetado.

Artigo 30 (veto ao artigo): o artigo estabelecia pena de um a quatro anos de detenção e multa para autoridade que iniciasse ou avançasse na persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra pessoa que se sabe inocente.

Artigo 32 (veto ao artigo): o texto previa pena de seis meses a dois anos ao agente que negasse ao interessado, ou à defesa, acesso e cópia de autos de investigação, termos circunstanciados, inquéritos ou qualquer outra peça de investigação. Havia uma exceção para peças ligadas a diligências futuras, cujo sigilo fosse considerado imprescindível.

Artigo 34 (veto ao artigo): o artigo estabelecia pena de detenção de três a seis meses e multa para quem, tendo competência para o ato, deixasse de corrigir, de ofício (iniciativa própria) ou mediante provocação, “erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento”

Artigo 35 (veto ao artigo): previa pena de três meses a um ano, e multa, ao agente que "coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo".

Artigo 38 (veto ao artigo): estabelecia detenção de seis meses a dois anos, e multa, para o responsável por investigação que antecipasse, por meio de comunicação ou rede social, atribuição de culpa a alguém antes de investigação concluída e acusação formalizada.

Artigo 43 (veto ao artigo): Bolsonaro vetou artigo que incluía na legislação que é crime violar direito ou prerrogativa de advogado, como a inviolabilidade do escritório, com pena de três meses a um ano de detenção e multa.

Repercussão do projeto

Nas últimas semanas, entidades vinham se manifestando favoravelmente ou de maneira contrária ao projeto.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, afirmou que a proposta era "equilibrada" e "significa a subordinação de todos, inclusive dos mais poderosos, ao império da lei".

Segundo o secretário-geral-adjunto da OAB, Ary Raghiant Neto, a entidade defendia a manutenção do trecho que trata da inviolabilidade das prerrogativas dos advogados porque desde 1994, quando foi aprovada a lei que trata do estatuto da OAB, há um "grande histórico de desrespeito" a essas prerrogativas.

"A OAB luta para criminalizar a violação das prerrogativas justamente porque temos um histórico desde 1994 de reiteradas violações. Então, para nós, esse é o carro-chefe, numa compreensão de que isso reequilibra o processo democrático", afirmou Neto ao G1.

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe), por outro lado, argumentou que o texto do Congresso visava "enfraquecer o combate à corrupção", além de "prejudicar fortemente" as instituições.

Para o presidente da Ajufe, Fernando Mendes, Bolsonaro deveria vetar oito artigos, entre os quais o que criminaliza a violação das prerrogativas dos advogados.

"Já existem, no ordenamento jurídico, mecanismos aptos a garantir as prerrogativas da advocacia, portanto, é desnecessário apelar para o Direito Penal. Além de afrontar o caráter fragmentário do Direito Penal, a previsão é desproporcional e desarrazoada", afirmou.



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