Ministra da Gestão Pública Esther Dweck diz que reforma administrativa é punitiva

Ela critica a PEC em discussão no Congresso, considerando-a prejudicial e enfatizando que não é necessária uma reforma constitucional para efetuar uma transformação verdadeira

Ministra da Gestão Pública Esther Dweck | Reprodução
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Após 24 horas da abertura das inscrições para o Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), 217 mil pessoas se inscreveram para disputar vagas no chamado "Enem dos Concursos". A competição atrai uma significativa quantidade de interessados, incluindo o próprio corpo de servidores públicos.

A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, revela em uma entrevista exclusiva ao Correio que os servidores encontram-se exaustos e sobrecarregados, ao fazer uma avaliação do primeiro ano à frente da pasta. O Concurso Unificado é parte do processo de reforma administrativa em andamento desde a criação do ministério pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e será um processo contínuo.

Dweck destaca que a pasta está elaborando um conjunto de medidas para substituir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, que trata da reforma administrativa do governo anterior. A intenção é apresentar um pacote com três eixos no início de fevereiro, após o término do recesso parlamentar. Ela critica a PEC em discussão no Congresso, considerando-a prejudicial e enfatizando que não é necessária uma reforma constitucional para efetuar uma transformação verdadeira no Estado brasileiro.

A ministra destaca a urgência da retomada do projeto de lei dos supersalários como uma das propostas mais importantes. Ela ressalta que, desde 2016, o Estado perdeu 70 mil profissionais, alertando que a aparente economia de recursos pode representar um prejuízo para a população. Dweck destaca a necessidade de um Estado eficaz e eficiente, ágil e com o tamanho adequado às necessidades.

Parte da transformação proposta pela ministra inclui a recomposição salarial e de benefícios. Para 2024, a proposta é um aumento real para a maioria dos servidores com renda mensal de até R$ 10 mil. Além disso, ela destaca que os 9% de reajuste concedidos em maio de 2023 ainda têm impacto neste ano, totalizando 18% até o fim do mandato, superior à inflação estimada para o período, de 16,5%. A proposta prevê espaço orçamentário para mais dois reajustes salariais em 2025 e 2026, de 4,5% em cada ano.

Segundo a ministra, o processo de reestruturação das carreiras do governo começou com a Funai e se estenderá a outros órgãos como Ibama, Banco Central, Educação, Saúde, entre outros. Cada órgão terá seu próprio projeto, que poderá constar na proposta alternativa de reforma a ser discutida com o Congresso.

Veja parte da entrevista

O que o servidor público pode esperar neste ano?

Bom, eu acho que tem várias boas notícias. Primeiro, desde que o presidente Lula voltou e criou o ministério voltado para a gestão pública, mudou completamente a relação com os servidores do que vinha nos últimos anos. E, já no primeiro ano, conseguimos fazer duas coisas que todo mundo estava reclamando por recomposição salarial das perdas anteriores e também voltar a ter concurso público. Uma das coisas que ajudam muito o servidor é a chegada de novos para dividir o trabalho que está muito pesado. Acho que, ter essa retomada de diálogo, ter espaço de negociação, ter tido 9% de reajuste no ano passado e ter a previsão de chegada de novos colegas são coisas que devem animar todos os servidores, porque, realmente, vamos recompor um pouco a capacidade laboral. E, no ano passado, a mesa nacional de negociação teve questões remuneratórias e não remuneratórias. Conseguimos atender sete dos nove pontos e dois estão em discussão.

Por exemplo?

Várias coisas. No governo anterior, havia um ataque aos servidores públicos e diversas práticas antissindicais, até teve um ruído com uma Instrução Normativa nossa, que tinha a ver com greve de servidores, em que, na verdade, atendemos um pedido dos servidores da mesa, que havia uma marcação no assentamento funcional de que as pessoas participavam de greve. Não faz sentido nenhum. Esse é um dos itens da proposta que fizemos na última reunião da mesa nacional, em dezembro. É sempre bom lembrar que temos um novo arcabouço com um limite de gastos, com o crescimento real, mas continua tendo limite de gastos. E o reajuste de 9% dado no ano passado começou a valer a partir de maio, o que significa que não impactou o ano cheio em 2023 e vai ter um impacto cheio em 2024, de R$ 4 bilhões a R$ 4,5 bilhões. E, portanto, o Orçamento de 2024 já tinha esse aumento na folha de pagamento, e ficamos com pouco espaço para um grande reajuste.

Aí ficou R$ 1,5 bilhão?

É, tinha esse R$ 1,5 bilhão e conseguimos, no fechamento da lei orçamentária, ampliar esse valor para quase R$ 2,5 bilhões. E, então, fizemos a proposta para os servidores da seguinte forma para 2024: além do impacto dos 9% em 2024, concentramos todo o volume de recursos para o aumento nos valores de três benefícios. O primeiro, o auxílio-alimentação estava muito defasado em relação aos outros Poderes. No ano passado, demos um aumento de R$ 200, além dos 9%, e agora, estamos propondo reajuste dos atuais R$ 658 para R$ 1 mil. Já o auxílio-creche, para quem tem filho pequeno, recompor a inflação desde 2016, que é um aumento de pouco mais de 50%. E, no auxílio saúde, a mesma coisa. Isso, líquido, dá um aumento para todos os servidores ativos de mais de R$ 400-R$ 450. Isso significa que para 50% dos servidores que têm os salários mais baixos, esses R$ 400 líquidos serão um valor acima da inflação de 2024. Isso acaba beneficiando quem ganha menos.

Qual seria o universo do salário médio?

A inflação deste ano será perto de 4% e, quem ganha até R$ 10 mil, vai ter um aumento acima da inflação. Então, essa conta é muito importante. Pensamos em dar, em vez do benefício, um valor em torno de R$ 400 no salário. Só que, no salário, ele não é líquido porque incide o Imposto de Renda. Logo, era muito melhor concentrar em um valor líquido. Essa foi a nossa lógica. E, para 2025 e 2026, quando vamos ter mais espaço orçamentário que já foi discutido com o Ministério da Fazenda, com o Planejamento e com a Casa Civil, garantimos os mesmos 18% que os servidores dos demais Poderes tiveram em dezembro de 2022. Vamos garantir 4,5%, em 2025, e mais 4,5% em 2026. Com isso, garantimos os 18% que estão acima da inflação prevista para o período de 2023 a 2026, que é de 16,5%. Então, com isso, podemos garantir várias coisas. Primeiro, uma certa equidade com os demais Poderes. Todo mundo terá os 18% (de reajuste). Nós garantimos também que, durante o mandato do presidente Lula, ninguém terá perda real (de salário). Claro que não estamos conseguindo repor a perda dos mandatos do (Michel) Temer e do (Jair) Bolsonaro. Na última negociação do governo Dilma (Rousseff), para algumas categorias houve reajuste até 2019 e, para outras, até 2017. Infelizmente, não temos condições orçamentárias de repor toda a perda dos períodos anteriores. Estamos também discutindo a reestruutração das carreiras e com uma diretriz para seguirmos que é de alongamento e de aumentar a diferença entre o início e o fim.

Os sindicatos fizeram uma contraproposta a essa proposta dos benefícios neste ano. Vocês estão analisando?

Estamos aguardando a proposta completa deles para fazer a nossa contraproposta, mas lembrando que o nosso espaço orçamentário não é tão grande assim.

E quais são as carreiras que devem sofrer esse processo de reestruturação?

Já tivemos várias. As pessoas marcaram muito a área de segurança, que foram as polícias, no finalzinho do ano passado, mas a primeira foi a Funai. O pessoal da Funai trabalhava junto com o do Ibama e ganhava quase a metade. Então, na verdade, aproximamos os servidores da Funai das carreiras ambientais, que era o correto. Depois, duas categorias que foram criadas no governo Dilma e que estavam muito defasadas, tanto frente ao mercado quanto frente às demais carreiras do setor público, que eram a de Analista de Tecnologia da Informação e Analista de Política Social (ATPS). Analista de TI era uma das carreiras com menor remuneração e, hoje em dia, é uma das maiores remunerações do setor privado. Era uma carreira que tinha 700 pessoas e perdeu metade para o setor privado, porque está supervalorizada. Não fica ninguém. Essa é uma carreira administrada aqui pelo ministério. Temos a gestão da carreira, pela Secretaria de Governo Digital, mas os servidores trabalham na Esplanada inteira, nas áreas de TI. Então, essa foi uma área que tivemos uma negociação importante. E a de analista de política social.

E quanto às vagas?

Das três áreas, infraestrutura, TI e política social, é a de política social que tem mais vagas, são 500. Em relação às carreiras de analista de infraestrutura, as ambientais e as de gestor, essa é uma carreira remuneratória baixa, mas estava muito defasada. Então, recompomos a Agência Nacional de Mineração (ANM), que era o Departamento Nacional de Política Mineral (DNPM), e a carreira nunca foi reestruturada. O que fizemos foi equiparar às demais agências. Essa leva, na verdade, foi bem emergencial que eram nessas quatro carreiras. E fomos abrindo as demais na sequência. Há 21 mesas abertas. E, como foi aprovada uma emenda constitucional que transformou agente penitenciário em polícia penal, mas que nunca foi regulamentada, na semana passada, fizemos a regulamentação e publicamos uma tabela nova. Essa carreira vai ser agora uma carreira da polícia penal e de nível superior.

Alguns estão reclamando, na Educação, inclusive. Eles querem a reestruturação da carreira.

A área da Educação é uma que está com uma mesa aberta também. Marcamos a devolutiva de várias carreiras. A primeira, é a do Ibama, que vai ser no início de fevereiro. Depois, tem a do Banco Central. Tem o pessoal do Mapa (Ministério da Agricultura), da Educação, as agências e o pessoal da previdência e saúde. Os servidores reclamam da demora, mas, na equipe do secretário de Gestão de Pessoas, Zé Celso (Cardoso Jr.), tem um departamento de Carreiras, com 10 pessoas, das quais cinco vão fazer o concurso e pediram licença para estudar. Então, temos carência de pessoal aqui no ministério.

Mas por ser um ministério novo teve carência de pessoal?

O ministério é novo, mas secretarias não são. Assim, eu não posso nem reclamar, assim, é diferente de um ministério. Fomos uma cisão do Ministério da Economia, a gente trouxe a secretaria. O Ministério da Gestão é novo, mas, comparado aos aos ministérios de Igualdade Racial, ao das Mulheres, até ao de Portos e Aeroportos, que começaram realmente quase do zero, aqui, não posso reclamar. Mas, mesmo com bastante gente, não é suficiente, porque também temos carência de pessoal. E essa é uma área que não tinha nenhuma preocupação por parte do governo anterior para negociar com os servidores. E não é fácil formar alguém e ter pessoas com expertise para os cargos. Não conseguimos dar velocidade, porque não tem gente suficiente para acelerar esse processo de poder ver todas as carreiras ao mesmo tempo. E cada carreira tem uma especificidade, uma lógica. Estamos organizando as carreiras para termos uma estrutura justa.

Como assim estrutura justa?

Tentando reduzir as iniquidades que existem. Não é que todo mundo vai ganhar igual. Mas é você ter uma certa relação entre as carreiras que todo mundo acha que está correta, que tem a ver com o seu perfil de risco, de exposição, de conhecimento técnico. Nessas nossas diretrizes, a gente está tentando organizar as carreiras. É esse o caso da Funai com o Ibama. Funai tinha que ser uma carreira muito próxima das carreiras ambientais. Então, ela vai andar junto. Se o Ibama tiver ganho, a Funai vai ter junto. Isso foi na negociação. A Funai teve a reestruturação, mas ela não parou ali.

É ir aproximando as carreiras?

Exato. Estamos utilizando essa lógica. Os analistas de Política Social, de TI e de Infraestrutura, agora, estão muito próximos. Não são idênticas, mas estão próximas, porque cada um, na sua especificidade, tem a mesma lógica de onde eles vão atuar, mas todos têm que ter o mesmo grau de maturidade. Então, essa é a lógica. Na polícia penal foi isso. Dentro da Polícia Federal, tem a diferença entre delegados e agentes. É um trabalho que requer olhar com calma. E, além disso, tem esse processo de alongar as carreiras. No caso do ATPS, a carreira tinha 13 níveis e ampliamos para 20 níveis. Então, não só esticou a carreira e basicamente a entrada não foi alterada. Então, essa é a lógica que está se tentando estabelecer.

E isso faz parte da proposta de vocês sobre a reforma administrativa?

Sim. Não chamamos de reforma administrativa, mas de transformação do Estado. Não à toa, temos a Secretaria Extraordinária de Transformação do Estado, comandada por Francisco Gaetani. Na verdade, a nossa reforma administrativa começou quando o presidente Lula decidiu criar o Ministério da Gestão. E, na transição, criamos essa secretaria extraordinária. No meio do ano, fiz uma divisão da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho. O governo Bolsonaro tinha criado a Secretaria de Gestão de Pessoas, e a relação de trabalho nem aparecia no nome e tinha lá duas pessoas que cuidavam da negociação com servidores. Mas, depois de um período longo de falta de diálogo, a secretaria ficou sobrecarregada, não dava tempo de ter alguém pensando em estruturar as carreiras. Então, separei essas duas áreas no sentido de ter uma secretaria que está pensando mais a lógica estratégica, de como vamos pensar as carreiras, e uma secretaria para fazer a negociação. Os dois secretários andam juntos e também tocaram essa ideia do Concurso Unificado.

A reforma administrativa que está no Congresso é muito focada em pessoal e numa lógica punitiva. Foi uma proposta que chegou lá sem diálogo, nem com servidores, nem com a sociedade e nem com o Parlamento. O diálogo foi posterior à entrega do projeto. E a nossa transformação do Estado tem três grandes eixos e três grandes princípios, eu diria. Tem um eixo pessoal, um eixo de digital e um eixo de organizações, que talvez seja a área menos clara, porque cuida das áreas de administração de vários ministérios. Aqui ficou a secretaria de gestão corporativa, que, ao longo do ano, mudou para secretaria de serviços compartilhados. Ela cuidava da estrutura administrativa de cinco pastas, quatro que eram da Economia: Fazenda, Planejamento, Gestão e Mdic (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e, também, a dos Povos Indígenas, que não saiu de nenhum ministério, pois não existia essa área no governo, exceto a Funai. No fim do ano passado, o presidente lançou um decreto que formalizou isso. Então, a Secretaria de Serviços Compartilhados, hoje, presta serviço a 13 ministérios. Vamos fazer processos licitatórios mais amplos. Essa é uma reforma de organização superimportante. Então, a nossa reforma administrativa já começou desde o ano passado. É uma reforma permanente. Na própria área de transformação digital, estamos avançando nos serviços digitais, fortalecendo as áreas digitais do governo. Um exemplo claro é tanto o Cadastro Único quanto o SUS. Na Previdência, estamos fazendo um trabalho enorme nessa discussão da redução de filas, que está muito associado à área digital e temos avançado bastante. Ao mesmo tempo, abrimos canais de diálogo sobre a reforma e o mais emblemático talvez seja a Câmara Técnica do Conselhão. No ano passado, lançamos a Câmara Técnica de Transformação do Estado no Conselho.

A reforma administrativa está muito estigmatizada?

A PEC 32, que se encontra no Congresso, está muito associada à redução do Estado. E o que precisamos, na verdade, não é uma mudança na Constituição. Claro que nós vamos debater isso no Congresso este ano, mas, na nossa visão, não é preciso uma reforma constitucional. Muita coisa podemos fazer por atos, instruções normativas, decretos e projetos de lei. Não precisaria de uma mudança constitucional. Aquela reforma estava muito focada em três coisas. Primeiro, a ampliação da contratação temporária sem regramento. Mas é possível, por meio de um projeto de lei, melhorar a discussão dos temporários. Não é preciso PEC. Segundo, o fim da estabilidade, que é o ponto mais forte ali. E, terceiro, a questão da redução de carga horária de trabalho com redução salário, com impacto muito forte em estados e municípios e nem tanto no governo federal. Eu sou muito contrária a isso. Alguns governadores até querem, mas é mais por uma questão fiscal e não porque tem gente sobrando. A nossa lógica é tentar equacionar o problema fiscal dos estados e não oferecer como solução a precarização do serviço. A lógica que está ali (na PEC) é muito contrária ao que nós imaginamos, e coisas que estão ali, que são boas, não precisam de PEC. O que achamos interessantes na PEC, estamos trabalhando.



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