Bancada evangélica com rachaduras: dilemas internos diante do governo Lula

Enquanto uma ala está aberta ao diálogo; a outra ainda persiste na devoção pelo bolsonarismo

Bancada com divergências internas | David Ribeiro/Câmara dos Deputados
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O deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) assumirá a presidência da bancada evangélica após o recesso parlamentar, sucedendo Eli Borges (PL-TO). No entanto, essa mudança tem despertado receios entre alguns membros da frente, que temem uma postura conciliatória em relação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), indo de encontro aos interesses bolsonaristas.

A divisão interna ficou evidente quando um assessor do grupo enviou uma mensagem a jornalistas informando que os parlamentares evangélicos formalizaram um acordo para Borges e Câmara se revezarem na liderança até o final de 2024, com cada um assumindo o cargo por seis meses.

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O trecho que chamou a atenção foi o seguinte: "No entanto, a bancada não se sente confortável com a nova presidência e como o deputado Silas está se aproximando do governo do presidente Lula".

Os dois deputados protagonizaram uma disputa acirrada pelo posto em fevereiro, com acusações de fraude e ameaças de judicialização. Eles conseguiram resolver a disputa ao acordar que Borges presidiria a bancada no primeiro semestre de 2023, enquanto Câmara assumiria no segundo semestre, repetindo o arranjo nos anos seguintes.

Borges é do mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ao qual o grupo religioso se alinhou fortemente durante as eleições. A expectativa é que a nova liderança reduza os atritos com o governo Lula, com exceção das questões relacionadas a costumes.

Silas Câmara é descrito pelos colegas como um político experiente e adepto do estilo do centrão. Ou seja, ele está disposto a adotar uma postura conciliatória com qualquer governo. Ele pertence à família Câmara, que tem forte influência evangélica no Norte do país. Seu irmão, Samuel, é pastor da primeira Assembleia de Deus brasileira, conhecida como Igreja Mãe.

Mistura entre igreja e governo

No seu sétimo mandato, ele já foi líder da bancada entre 2019 e 2020, nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. Foi um período de glória para a frente, que experimentou uma proximidade inédita com o Palácio do Planalto, incluindo momentos de oração com o presidente e o bloqueio de pautas contrárias aos interesses do governo. O ponto alto foi a indicação do pastor presbiteriano André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal, com apoio ativo dos evangélicos.

Em entrevista, Câmara afirmou que a relação da Frente Parlamentar Evangélica com o governo será "republicana, respeitosa e com diálogo com todos", mas "intransigente nas questões para as quais [a bancada] existe". Sua prioridade, portanto, é "fortalecer nossa posição em relação a tudo o que a Frente Parlamentar Evangélica já faz em defesa dos princípios que norteiam nossa fé".

Abertos ao diálogo

Outro ex-presidente do grupo e aliado de Câmara, Cezinha de Madureira (PSD-SP), faz parte do grupo que não vê sentido em confrontar o governo apenas para marcar posição como oposição.

Ele cita uma passagem do livro bíblico de Romanos, que fala sobre todas as autoridades serem constituídas por Deus, e que é frequentemente evocada no segmento para defender uma relação amigável com os governantes. "Deputados que estão preocupados com uma aproximação com qualquer governo", diz ele, fazem uma "oposição sem inteligência".

"O público evangélico elege [representantes] para proteger suas ideologias. Eles não precisam se preocupar se o governo é vermelho, amarelo ou azul. Isso não importa. O papel dos parlamentares é dialogar", afirmou.

Cezinha é ligado à Assembleia de Deus Madureira, uma das primeiras igrejas de grande porte a demonstrar disposição para restabelecer pontes com Lula após quatro anos de intensa relação com o bolsonarismo.

Ele já apoiou Bolsonaro, inclusive participando de uma das motociatas realizadas pelo então presidente em busca da reeleição durante a campanha. Após a vitória de Lula, ele declarou: "Todos sabem que Lula foi eleito com uma pauta muito difícil com os evangélicos".

O deputado afirma que não vê "nenhuma ameaça" à agenda cristã no horizonte. "O que existe é um governo que está tentando mostrar que nos respeita. Eu apoiei Bolsonaro, mas tenho a obrigação, em meio a toda essa guerra sem sentido, de tentar manter a paz."

Da igreja ao Congresso

Assim como ele, a maioria da bancada, que representa cerca de um quinto dos 513 deputados federais, possui responsabilidades com suas igrejas. Os demais, segundo ele, sem mencionar nomes, são "deputados lacradores".

Aqueles mais propensos a dialogar atuaram em duas questões cruciais neste início do governo Lula. Primeiro, no projeto de lei das fake news, quando o texto ainda não estava paralisado no Congresso.

Os parlamentares evangélicos consideravam o projeto prejudicial à liberdade religiosa. Esse grupo trabalhou para remover trechos que poderiam ser interpretados de maneira negativa pelos evangélicos, resultando em uma nova versão do projeto que menciona o "livre exercício da expressão e dos cultos religiosos" e a "exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados".

Outra parte da bancada evangélica, a bolsonarista radical, permaneceu inflexível na oposição à proposta.

Recentemente, uma nova redação da Reforma Tributária ampliou a imunidade fiscal para templos religiosos. Essa decisão desapontou uma parcela mais ideológica da bancada, ligada a Bolsonaro, que lutava para enterrar o projeto legislativo por considerá-lo uma vitória do governo.

As críticas a Silas Câmara são restritas aos bastidores da bancada evangélica. Eles demonstram não ter interesse em expor publicamente as divisões, embora elas existam.

Eli Borges acredita que seu sucessor "fará um bom trabalho". Câmara terá "maior abertura com o governo" sem abandonar "a postura cristã em nossas pautas", afirma.

Roberto Monteiro (PL-RJ) chegou a ter um desentendimento com Câmara em uma reunião recente da bancada, ameaçando deixar o grupo e só retornar quando Eli Borges reassumisse a presidência, o que está previsto para 2024. No entanto, as divergências foram superadas, segundo o deputado, que é pai do ex-vereador carioca Gabriel Monteiro, preso e cassado após acusações de estupro.

"Eu fiz a minha parte apoiando Bolsonaro. Agora o tempo do Bolsonaro acabou, é uma nova história, o país não pode parar", afirma. "Não sou da ala radical, sou da ala do diálogo, porque o próprio Cristo não faz acepção, ele diz 'venham a mim todos', não apenas alguns", completa.

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